Na iminência do primeiro turno das eleições, o cenário indefinido coloca sob forte pressão uma estratégia de investimento considerada defensiva: a busca por empresas com forte geração de caixa e pagadoras de dividendos. Com uma parcela expressiva formada por estatais e empresas de setores regulados, como as elétricas, as carteiras com foco nas ações que mais remuneram seus acionistas sofrem não só com os temores de uma guinada na gestão macroeconômica, mas com riscos ligados a mudanças de regras pelo Estado e na condução das próprias empresas.
O “rali” recente do mercado levou o Índice de Dividendos da B3 (Idiv) a virar para o azul no acumulado do ano, mas com um evidente descolamento do Ibovespa: as altas em 2018 são de 0,87% e 8,57%, respectivamente. No ano passado, o Idiv entregou um retorno próximo do alcançado pelo principal índice da bolsa: 25% ante 27% da principal referência do mercado.
A recuperação recente das estatais com a perspectiva de vitória das chapas de direita na eleição garantiu que algumas companhias elétricas e estatais melhorassem substancialmente o desempenho, mas os riscos persistem. Entre 33 ações que integram o índice de dividendos, 15 acumulam perdas no ano, entre elas estatais e empresas dos setores de energia e financeiro, os de maior relevância no Idiv. Em conjunto, empresas estatais, do setor elétrico e bancos têm um peso de 50% na carteira.
A vantagem de se investir em empresas pagadoras de proventos vai ser colocada à prova somente em 2019 – quando se inicia o próximo governo -, mas a corrida eleitoral já coloca os riscos no horizonte. Um dos pontos que geram dúvida é a possibilidade de retomada da cobrança de imposto de renda sobre os dividendos. A tese é defendida, com maior ou menor afinco, pelos economistas dos principais candidatos à Presidência, especialmente depois da reforma tributária americana feita por Donald Trump no ano passado.
Com o corte da tributação sobre o lucro corporativo nos EUA, a leitura é que o Brasil perde competitividade se mantiver a atual carga. A solução, então, seria reduzir a tributação sobre as empresas e compensar a perda de receita com a taxação dos dividendos – a discussão já faz parte da agenda do atual ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.
Mudanças de regras pelo novo governo – que pode sair de uma agenda mais reformista e alinhada ao mercado para a retomada de um populismo tanto à direita ou à esquerda – é outra fonte de preocupação. Políticas setoriais já afetaram empresas no passado: em 2012, a então presidente Dilma Rousseff aprovou a polêmica Medida Provisória (MP) 579, cujo objetivo era reduzir a conta de energia para os consumidores, mas que causou rombos elevados para as elétricas, grandes pagadoras de dividendos.
Para Marco Saravalle, “qualidade é uma estratégia absoluta” em momentos como o atual no Brasil porque, desde 2012, quando o setor elétrico passou a sofrer com os efeitos da MP 579, algumas verdades foram questionadas. Uma delas era de que uma carteira de dividendos é rentabilidade certa. Ele nota que companhias ligadas ao setor de commodities, por exemplo, não costumavam ser consideradas no geral nos portfólios voltados para dividendos e, agora, isso mudou.
Se pegarmos Vale, ela pode fazer parte dessa estratégia porque não tem tanta dependência do cenário doméstico, ao contrário, é um ativo defensivo com o dólar alto”, diz. “Além disso, a empresa vive um momento excepcional, de aumento de governança e com nova política de proventos, com expectativa de pelo menos 10% de ‘dividend yield’ [retorno com dividendos] ao acionista no ano que vem.”
Não são apenas mudanças na esfera federal preocupam o mercado. O investidor também já coloca na balança dos riscos as eleições para governador, uma vez que boa parte das estatais são estaduais – na carteira do Idiv, destaque para Copel, Cemig e Sanepar.
Além dos aspectos microeconômicos, o ambiente de incerteza eleitoral eleva o prêmio de risco dos principais ativos de mercado – como dólar e juros -, provocando ajustes de preços para ações. Com o avanço dos contratos de juros futuros de longo prazo, por exemplo, as concessionárias de serviços – fortes geradoras de caixas – acabam sofrendo mais. Isso ocorre porque essas empresas têm receitas atreladas a ajustes tarifários, que por sua vez tendem a acompanhar a inflação. Por isso, são ações por vezes comparadas ao desempenho de títulos públicos de longo prazo.
Assim, se o prêmio de risco cresce, os preços das ações precisam se ajustar para incorporar a nova realidade. Na carteira do Idiv, um exemplo é a CCR, que tem um dos piores desempenhos no ano (-40,3%). O efeito de desdobramentos da Operação Lava-Jato sobre a empresa é um dos aspectos que se somam para derrubar a ação.
Ainda assim, vale mais a pena, nesses casos, migrar para um ativo conservador, como a renda fixa, do que ficar exposto a uma ação que vai embutir maior prêmio de risco. Soma-se a isso a preocupação com a previsibilidade de receitas, dado que a alta dos juros futuros joga dúvida sobre a expectativa para o endividamento.
“O investidor tem mais dificuldade hoje de enxergar uma carteira de dividendos com expressiva vantagem. Na maioria dos casos, as empresas que são boas pagadoras têm situação estável e são geradoras de caixa, mas isso não é observado de forma geral”, afirma Ricardo Peretti, analista do Santander. “Banco do Brasil e Banrisul são estatais que pagam bons dividendos e vêm sendo muito pressionadas pela questão política.”
Peretti nota que alguns investidores, especialmente no segmento pessoa física, têm demonstrado preocupação com o nível de instabilidade do mercado por causa da eleição. De acordo com ele, mesmo investidores acostumados com o movimento ficaram impressionados com as oscilações recentes.
Para Carlos Herrera, estrategista-chefe da Condor Insiders, o risco de se guiar apenas por um tipo de estratégia – como dividendos – ficou ainda maior agora, mesmo para o investidor que está na bolsa com esse foco.
“Em momentos como este é que investidores saem de uma situação mais cômoda para analisar melhor as oportunidades em que eles estão investindo”, defende. “É preciso analisar caso a caso e ver se a companhia tem perspectiva de uma ucratividade razoável no longo prazo, com gestão financeira responsável. Isso tem que estar de mãos dadas com a política de dividendos.”
Fonte: Valor Economico