Crédito imobiliário lidera renegociações

No financiamento da casa própria, um esforço cada vez maior dos bancos em renegociar dívidas em atraso é o que está impedindo a inadimplência de crescer em 2016. A modalidade, vista como a mais segura forma de crédito bancário para pessoa física, também é aquela em que os bancos brasileiros mais têm repactuado operações inadimplentes.
Os dados sobre renegociação de crédito habitacional foram divulgados pela primeira vez ontem pelo Banco Central (BC), no Relatório de Estabilidade Financeira (REF), que trouxe uma série de novas informações a respeito de dívidas repactuadas. A conclusão é que o aumento recorde das renegociações e reestruturações de operações de crédito tanto por pessoas físicas quanto por empresas impede um aumento ainda maior da inadimplência no sistema financeiro como um todo.
Essas informações tendem a reforçar a preocupação de analistas com acelerado aumento das renegociações nos bancos brasileiros, que temem que esses empréstimos voltem a se tornar problemáticos no futuro.
No primeiro semestre deste ano, a inadimplência do financiamento da casa própria recuou de 2,02% para 1,69%. Sem as repactuações, os calotes do crédito habitacional subiriam de 3,21% para 3,31% no mesmo período. Pela métrica que inclui as dívidas reestruturadas na conta, os índices de inadimplência do crédito habitacional seriam superiores, por exemplo, aos do crédito consignado (2,48%, somando os créditos reestruturados).

No conceito do BC, empréstimos reestruturados são aqueles em que o tomador atrasa o pagamento, por dificuldades financeiras, e o banco faz “concessões, relativamente às condições de pagamento, que não faria em condições normais de mercado, com o objetivo de reduzir perdas”.

Mais do que nas outras modalidades de crédito à pessoa física, é no imobiliário que os bancos têm concentrado seus esforços de repactuação de dívidas. Os dados do BC, relativos ao primeiro semestre, mostram um volume recorde de dívidas reestruturadas de pessoas físicas pelos bancos em junho. Nesse mês, 0,24% da carteira de crédito pessoa física foi reestruturada. No crédito imobiliário, porém, essa participação foi maior, de 0,39% do total do portfólio. Nas demais modalidades de pessoa física, a parcela foi de 0,16%.
O forte volume de renegociações no crédito imobiliário ajuda a explicar por que há uma queda acentuada da inadimplência quando são comparados os indicadores até 90 dias (antecedente) e depois de 90 dias. Em junho, os financiamentos habitacionais atrasados entre 15 a 90 dias estavam em 8,8%. Já os atrasos superiores a 90 dias eram 1,7% do estoque.

Não foi apenas no crédito imobiliário que o Banco Central resolveu abrir um volume maior de dados sobre o impacto de renegociações. A inadimplência das pessoas físicas como um todo fechou o semestre em 4,1% da carteira, com as reestruturações tirando 1 ponto percentual do indicador, contra 0,8 ponto no fim de 2015. No caso das empresas, a taxa de calotes foi de 3%. Sem reestruturação, esse índice subiria a 3,7%. Entre pequenas e médias empresas, a taxa de inadimplência foi de 6,7%. Excluindo reestruturações de dívidas, a taxa seria 1,4 ponto percentual maior. Nas grandes empresas, os calotes ficaram em 0,8%, com as reestruturações tirando 0,3 ponto.

Questionado se o aumento das renegociações e reestruturação de dívidas não mascarariam a inadimplência do sistema, o diretor de fiscalização do BC, Anthero Meirelles disse que essas operações são comuns em ciclos de recessão e só seriam um risco se o BC não mensurasse sua importância. Na média, segundo o diretor do BC, cerca de 30% das operações reestruturadas acabam caindo na inadimplência.

Para Meirelles, o forte volume de renegociações impede que se faça o diagnóstico de que a inadimplência chegou ao ponto de inflexão. Ele afirmou que, se a economia não reagir, o que se pode esperar é um natural aumento nos calotes de firmas e famílias

O diretor ressaltou que a queda da atividade econômica continuou a pressionar a qualidade do crédito. No entanto, esse movimento foi acompanhado por uma elevação, por parte dos bancos, nas provisões para créditos duvidosos. Com isso, o índice de cobertura do sistema por provisões foi a 1,8. Considerando as reestruturações, esse índice ainda ficaria em 1,44, ou seja, com R$ 1,44 provisionado para cada R$ 1 inadimplente.
O relatório aponta que o sistema financeiro permaneceu estável, solvente e com nível de capital elevado no primeiro semestre, e os testes de estresse mostraram uma adequada capacidade do sistema em suportar choques adversos.

Os dados relativos aos riscos da Operação Lava-Jato para o sistema financeiro, presentes nas duas últimas edições do relatório, não foram mencionados na edição mais recente. Porém, segundo Meirelles, o BC segue fazendo simulações em função da exposição do sistema a essas empresas.

Fonte: Valor Econômico