Passagem de graça? Quem paga pelas recompensas de cartões de crédito

Entenda o processo por trás das recompensas de cartão de crédito que permite que algumas pessoas façam viagens e consigam outros produtos e serviços de graça

Júlia Bocci sempre dá um jeito de encaixar uma viagem no orçamento. No início de abril, a jovem de 22 anos foi para Florianópolis e não pagou as passagens de ida e volta. Como? Usando milhas do cartão de crédito.

“Em casa a gente tem o cartão de crédito com o nome de um titular para a família toda, então acumulamos bastante milhas. Já fiz também viagens internacionais: quando fui para a Austrália comprei a ida só com milhas. Sempre fico de olho para usar – já perdemos [pelo prazo de validade] e fiquei inconformada, porque realmente dá para viajar sem pagar nada”, conta.

Como Bocci, muitas pessoas usam as milhas e outros tipos de recompensas oferecidas pelo cartão de crédito para pagar menos (ou nada) para viajar, comprar produtos em varejistas ou ter outros tipos de descontos.

Mas todo mundo sabe que “não existe almoço grátis” – e alguém tem que arcar com esses custos.

Geralmente, a maior parte é paga pelos emissores do cartão – considerando o modelo mais tradicional e popular de recompensas, segundo Alexandre Zylberstajn, sócio-diretor do Passageiro de Primeira, site especializado em programa de fidelidade.

Mas a verdade é que o processo de pagamento que faz a recompensa ser oferecida e chegar nas mãos do consumidor é bem longo. Para entender melhor, Zylberstajn explicou quem participa de mercado de pagamentos:

Hoje, além dos emissores, as bandeiras de cartão, como Visa e MasterCard oferecem seus próprios programas de recompensas em paralelo às opções dos emissores. São benefícios separados.

Mas, considerando um modelo mais popular de recompensas de cartão, quando Bocci viaja com a família sem pagar nada, por exemplo, quem está arcando com esses custos é o emissor do cartão, no caso, o banco. E quem fornece esse dinheiro ao banco é o correntista, através das taxas pagas e das transações feitas.

“Os emissores têm o constante desafio de conquistar novos clientes (e novos cartões) e usam as recompensas como atrativo. Podem ser milhas e pontos, cashback, acesso a lounges, ingressos, descontos, entre outros benefícios”, explica o especialista.

Os contratos são caros e, também por por conta disso, os próprios emissores verticalizaram o negócio, entrando no mercado ao criarem os próprios programas de fidelidade, acrescentando mais um elemento no processo do mundo de pagamentos – como o Livelo, programa de pontos do Bradesco em conjunto com o Banco do Brasil.

Para entender melhor o processo, imagine que um consumidor passou seu cartão em uma loja para comprar uma calça de R$ 100. Do total do preço da calça, a loja recebe um valor descontado de uma comissão, um percentual.

Essa comissão é paga para os credenciadores (como a Cielo, por exemplo), que por sua vez, repassam uma parte para os emissores (que pode ser o banco que emitiu o cartão utilizado pelo cliente). Com esse dinheiro recebido a partir dos credenciadores, os emissores podem oferecer ao consumidor diversas recompensas.

Mas essa taxa descontada do valor não é a única forma de recebimento dos emissores.

Tipos de benefício e seus preços

Após entender que realmente não existe viagem grátis, é preciso entender da onde vem esse dinheiro que compõe a cesta de receita dos emissores. “Dentro dos emissores, essas recompensas têm um custo – e não é pouco. Quando falamos de milhas e pontos, eles negociam os valores com os programas de fidelidade parceiros, por exemplo”, explica Zylberstajn.

Como foi dito, a comissão descontada é uma das três principais fontes de receita que possibilitam que os emissores ofereçam milhas e outros benefícios. Segundo o especialista, os emissores também recebem dinheiro por meio da anuidade paga pelos clientes e por meio de juros.

No caso da anuidade, o próprio cliente paga para receber benefícios que podem ser muito valiosos, segundo Zylberstajn. “Quanto maior a anuidade que o cliente paga, maiores e melhores são as recompensas que ele recebe. Muitas pessoas não têm ideia da quantidade de benefícios a que têm direito”.

Por exemplo, alguns cartões oferecem a “garantia estendida”. Quando um consumidor compra uma geladeira, por exemplo, e a mesma apresenta um problema depois do prazo de garantia oferecido pelo varejista, o cartão com esse benefício oferece um ano extra para cobrir qualquer eventual falha.

Outro benefício é “preço garantido”. Se o consumidor compra uma televisão por R$ 1.000 e, um mês depois esse valor diminui, a emissora do cartão paga a diferença.

Há também as diferenças por tipo de cartão. Cartões de entrada tendem a oferecer benefícios mais tímidos, como ingressos de cinema, de teatro e cupons de descontos em determinados varejistas.

Nesse caso, os emissores que não cobram anuidade compõem sua cesta de receita para oferecer esses benefícios por meio das taxas descontadas dos estabelecimentos e de juros.

Por outro lado, cartões premium oferecem milhas por meio dos programas de fidelidade parceiros, acesso aos lounges de aeroportos, garantia estendida e outros benefícios exclusivos.

“Vale dizer que hoje os programas de fidelidade, como Smiles, Multiplus e Livelo, evoluíram a ponto de oferecer uma série de tipos de recompensas e não só passagens aéreas. Com uma certa quantidade de milhas você pode trocá-las por passagens aéreas, mas também por hospedagem em hotéis, locação de carros, produtos de varejistas, entre outras coisas”, lembra o especialista.

Júlia Bocci, a viajante do início deste texto, conta que seus pais também são adeptos das milhas. “Eles são aposentados e podem viajar fora de época. Na última viagem foram para Gramado, no Rio Grande do Sul, e pegaram as passagens de ida e volta, o aluguel do carro e o hotel com as milhas, tudo de graça”, diz.

Entre as recompensas existe ainda o cashback. “Quando um percentual do valor que o consumidor gastou é devolvido em crédito na fatura. É mais simples e direto”, explica Zylberstajn.

Se você paga, deve usar

O especialista explica que entender o processo e saber dos benefícios a que tem direito pode valer a pena para o consumidor. Principalmente porque todo cliente que usa cartão de crédito, no fim, contribui para esse sistema de pagamentos.

Na prática, quanto mais os estabelecimentos passam os cartões, maior será o percentual que vão repassar aos credenciadores, que posteriormente repassarão aos emissores para oferecer recompensas.

Então, se o consumidor usa o cartão de crédito, mas não está usufruindo dos benefícios que pode ter, deve procurar saber quais são ou avaliar se seu cartão é a melhor opção para o momento.

“Milhões em milhas não são utilizadas todo ano, mas o consumidor paga sempre que usa seu cartão. Por exemplo, quando a pessoa paga uma televisão via boleto na varejista ela deixa de contribuir para essa cadeia e geralmente paga um valor mais barato do que o preço do cartão. Mas quando paga no cartão, a varejista não recebe os R$ 1 mil da TV, mas sim esse valor descontado da taxa que vai para os credenciadores”, explica.

Além disso, quem paga anuidade contribui ainda mais para a cadeia de recompensas. “Se você contribui a mais é importante que receba a mais. Então, se o consumidor achar que não está valendo a pena, se não usa as recompensas deve negociar a anuidade ou tentar mudar o cartão, por exemplo, para não deixar dinheiro na mesa”.

Fonte: InfoMoney