Crédito no Varejo: difícil entender

No Brasil, o crédito ao consumo e a confiança do consumidor são alguns dos principais fatores de alavancagem das vendas no varejo. E melhoria das vendas no comércio, o maior empregador privado do país é forte indutor da expansão da indústria local de consumo e de todos os serviços envolvidos direta ou indiretamente com o setor.

No final de 2013, o país começando a viver a pior crise econômica de sua história, a taxa de juros para cartão de crédito e o rotativo era de 312,8% ao ano. Naquele período a inadimplência era crescente e a inflação era de 5,91%, com forte tendência de alta tendo chegado 10,58% em meados de 2015. E a taxa Selic era de 10%, também com tendência de alta, tanto assim que chegou a 14,25% entre julho de 2015 e outubro de 2016.

Transcorridos seis anos, agosto de 2019, a taxa de juros para cartão de crédito e rotativo estava em 307,2%, muito pouco abaixo dos 312,8% de 2013 e acima do que foi no ano passado, quando chegou a 274,4%. Porém, a inflação está absolutamente estável, sem nenhuma previsão de sobressalto à frente e atualmente na faixa de 3,43%, com viés de baixa. E a taxa Selic baixou para 5,5% agora em meados de setembro, o menor índice da série histórica.

Porém as taxas de juros no crédito ao consumo permanecem em patamares quase inexplicáveis. A justificativa de plantão envolve a cunha fiscal e a inadimplência. Mas é difícil aceitar uma vez que a atual inadimplência das pessoas físicas está nos patamares mais baixos dos últimos seis anos, segundo os dados do Banco Central, para atrasos acima de 90 dias.

Fica realmente difícil de entender, mesmo quando se consideram todas as explicações clássicas sobre o comportamento da taxa de juros das pessoas físicas no Brasil.

O que é claro é que as atuais taxas de juros, mesmo com a baixa inadimplência, a baixa inflação e a menor taxa Selic da história, contribuem para um comportamento pífio do consumo e das vendas no varejo, comprometendo a retomada do consumo.

Essa retomada poderia ser decisiva para a melhoria do emprego, das vendas do setor industrial de consumo e mais os serviços ligados ao varejo.

Sem dúvida a concentração do crédito ao consumo no Brasil é um dos fatores que impede taxas mais baixas e competitivas e a perspectiva é que assim permaneça até que as novas modalidades de financiamento às famílias pelas fintechs, mais financiamento direto P2P e alternativas possam ajudar a baixar esses valores.

Importante lembrar que até alguns anos atrás muitos varejistas tinham suas próprias financeiras, eram responsáveis pelo financiamento de suas vendas e disputavam os consumidores, integrando a oferta de produtos e crédito para diferenciar sua oferta.

Praticamente todas as principais redes de varejo tinham sua própria operação de crédito ao consumo, até então modalidade quase que desprezada pelo Sistema Financeiro.

Foi no período do boom do consumo, entre 2004 e 2013, que os bancos partiram para comprar ou se associar às financeiras do varejo, mudando totalmente a estrutura, gestão, práticas e processos na análise e concessão do crédito.

Enquanto o mercado era altamente demandante, foi tudo bem, ainda que várias operações financeiras de bancos voltadas para o consumo, especialmente no setor automobilístico, tenham vivido períodos críticos pela volúpia inicial de ganho de mercado.

Do lado do varejo foram poucos os que preferiram manter ou ampliar seu negócio de crédito, como Riachuelo e Gazin, resistindo à tentação de venderem esse negócio.

No momento em que virou a maré, a partir do final de 2013 e até o momento atual, na pior recessão que o Brasil já viveu, o crédito ao consumo concentrou-se nos bancos e com uma lógica totalmente diferente do passado, onde era usado para alavancar o negócio de varejo, agora é um fim em si mesmo e, por sua natureza, cauteloso, quase covarde, na sua análise e concessão, retardando o crescimento do comércio.

As macro condições para a retomada do consumo estão quase todas por aí.

A baixa e estabilizada inflação, a menor taxa Selic da história, a baixa inadimplência, o menor comprometimento da renda com dívidas e crédito, a leve retomada do crescimento da renda e da massa salarial e uma pequena redução do desemprego. Faltam apenas a melhoria da confiança do consumidor e a redução das taxas de juros ao consumo para que possamos viver um novo ciclo de crescimento, que poderia passar do pífio atual para um pouco mais vigoroso.

A consequência seria melhoria significativa do emprego, da própria confiança do consumidor, da renda, da massa salarial e da economia como um todo. Nada mal!

É preciso apenas um pouco mais de competição, alguma coragem e muita visão.

Fonte: Mercado e Consumo