Gustavo Poletto comprou R$ 200 mil em debêntures de infraestrutura emitidas por uma concessionária de rodovias brasileira em 2015, atraído pelo alto retorno e isenção de impostos. Seu corretor disse que era uma oportunidade única. Agora, o radiologista, de 39 anos, pode perder todo o investimento.
O pessimismo de Poletto é provavelmente justificado. A Concessionária Rodovias do Tietê, que vendeu os títulos, vem tentando reestruturar a dívida e disse que é pouco provável que consiga pagar integralmente os credores. Ainda que Poletto afirme ter aprendido a lição, outros milhares de brasileiros seguem encantados com as debêntures de infraestrutura, ou incentivadas, e outros títulos de crédito privado de alto rendimento. Para muitos, pode ser um sinal de alerta.
“Os riscos em um projeto de infraestrutura podem ser muito grandes”, diz Jean-Pierre Cote Gil, responsável pela área de crédito do family office do Julius Baer Group no Brasil. “Para um investidor de varejo, é difícil analisar, entender e precificar esse risco.”
Os brasileiros estão assumindo mais riscos por uma razão simples: com os juros baixos, precisam encontrar alternativas de melhor rendimento do que os títulos do Tesouro ou a poupança. Muitas vezes, porém, os investidores novatos não estão acostumados com as flutuações do mercado local de títulos corporativos, e não se dão conta que pode ser difícil recuperar perdas ou vender títulos.
As debêntures de infraestrutura usam o fluxo de caixa de um projeto, como de uma estrada pedagiada, para pagar investidores. Projetos mais arriscados deveriam, em tese, pagar prêmios mais altos em relação aos títulos do governo brasileiro, oferecendo retornos atrativos.
As debêntures de infraestrutura também são isentas do Imposto de Renda para pessoas físicas, um outro chamariz. “O Brasil incentivou investidores de varejo a comprar esse tipo de título, mas sabemos que eles geralmente não analisam um projeto em detalhes — se baseiam em um relatório que leem ou em uma recomendação”, diz Cote Gil, que analisa risco de crédito há mais de 20 anos.
Alguns gestores de fundos de investimento no Brasil estão preocupados com a popularidade desses títulos entre clientes do varejo. Desde que o programa de incentivo às debêntures de infraestrutura foi iniciado em 2012 até outubro, foram emitidos cerca de R$ 75,5 bilhões desses títulos, segundo dados compilados pela Bloomberg. Entre os gestores que têm alertado para os riscos está a Quasar Asset Management.
Em outubro, o sócio-fundador Carlos Maggioli disse em um tuíte que os investidores não devem comprar novas debêntures de infraestrutura, porque os spreads não compensavam adequadamente o risco e o prazo.
Por que os gestores estão preocupados? O crédito é uma classe de ativos em rápida expansão no Brasil. Os fundos que investem em dívida corporativa detinham cerca de R$ 15 bilhões em ativos em 2014. Esse volume subiu para quase R$ 100 bilhões em junho, ou cerca de 2% do total da indústria de fundos, de R$ 5 trilhões, diz Alexandre Muller, sócio e gestor da JGP Gestão de Recursos, uma das maiores gestoras independentes do Brasil. Ele compara esse número com os EUA, onde os fundos de crédito representam quase metade do total de ativos. “Então, há muito espaço para crescer”, diz Muller.
Mas os gestores de fundos de crédito querem evitar que esse crescimento traga problemas que possam afastar investidores dessa classe de ativos.
Investidores de varejo costumam demorar para perceber que um título de crédito privados está com problema. Isso acontece porque as corretoras normalmente informam apenas o valor de face dos títulos ao fornecer saldos aos clientes. Portanto, quando ocorre um não-pagamento, os clientes podem acabar surpreendidos com um título sendo marcado a praticamente zero, segundo Muller.
“Estamos fazendo um grande esforço para melhorar a transparência e os processos de marcação a mercado para a maioria dos títulos para que tenham um preço justo e que possa ser confirmado em operações reais”, diz.
A JGP atua como formadora da preços de títulos, um papel geralmente desempenhado por uma corretora ou por um banco. Para Muller, isso ajuda a melhorar a transparência do mercado e também beneficia os fundos da JGP que precisam de uma referência para uma boa negociação.
Fonte: Uol